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Insight

Como o aumento do número de insolvências no Brasil pode afetar as arbitragens

Empresas brasileiras têm optado por resolver disputas nacionais e internacionais via arbitragem. Mais recentemente, os impactos econômicos do COVID-19 no Brasil têm causado um aumento considerável do número de recuperações judiciais e falências. Sem expectativa de que essa tendência seja revertida dentro dos próximos meses e, possivelmente, anos, é oportuno indagar: quais seriam os efeitos causados pela nova onda de insolvências em arbitragens brasileiras e internacionais?

A abertura do processo de recuperação judicial ou de falência pode afetar convenções de arbitragem?

Em regra, o início do processo de recuperação judicial ou falência não deve afetar convenções de arbitragem firmadas anteriormente à abertura de tais processos. Esses acordos permanecem válidos e vinculantes a partes insolventes. É importante, todavia, observar as regras incidentes sobre a celebração de novos contratos por essas partes. Se a empresa estiver em falência, o administrador judicial nomeado pelo juízo falimentar terá poder exclusivo para firmar acordos em nome da massa falida, e tais acordos podem estar condicionados à aprovação judicial. Por outro lado, empresas em recuperação judicial não estão sujeitas a essa norma, pois sua capacidade e representação não são diretamente afetadas após o início o processo.

Podem as arbitragens ser suspensas devido à abertura de processos de recuperação judicial ou falência?

Diferentemente da regra aplicável nos Estados Unidos, onde há suspensão automática de ações a partir da abertura do processo de insolvency proceedings (automatic stay), no Brasil não estão previstos os mesmos efeitos automáticos. Demandas pendentes ao tempo do ajuizamento do pedido de recuperação judicial ou falência – no que se inclui a arbitragem – devem prosseguir, assim como novas arbitragens podem ser requeridas. Cláusulas de arbitragem permanecem válidas e vinculantes.

As cortes de falência têm jurisdição sobre disputas sujeitas à arbitragem?

É comum que devedores procurem o juízo onde se processa a recuperação judicial ou a falência para apreciar demandas cobertas por cláusula de arbitragem. Entretanto, em um caso paradigmático julgado em 2018, o Superior Tribunal de Justiça concluiu – por maioria – que os árbitros, e não o juízo da falência, detêm jurisdição para julgar matérias cobertas pela convenção de arbitragem.

Apesar da deferência à jurisdição arbitral, a execução de decisões cautelares proferidas por árbitros permanece sujeita à revisão judicial. O juiz com jurisdição sobre o processo de recuperação ou falência avaliará o potencial impacto da execução sobre a reestruturação do devedor e terá jurisdição para regular a forma de execução da decisão arbitral (como a penhora de bens do devedor).

Decisões arbitrais e acordos estão sujeitos ao resultado do processo de recuperação judicial ou falência?

Sim. Decisões arbitrais fundamentadas em fatos ocorridos antes do início do processo de recuperação ou falência estão sujeitas ao resultado determinado segundo as normas aplicáveis a esses regimes. Se o devedor está em recuperação judicial, decisões arbitrais devem ser executadas sob a égide do plano de recuperação judicial, o qual pode alterar qualquer aspecto econômico da decisão (como aplicação de deságio, forma e prazo para pagamento, incidência de juros, etc.). Em qualquer caso, o pagamento de valores concursais em desrespeito ao respectivo processo é ilegal, ou seja, o pagamento voluntário da condenação não é permitido. Se o devedor estiver em falência, a execução respeitará a ordem de pagamento determinada na lei de falências.

Mesma regra se aplica a acordos que contemplam valores concursais. Ainda que as partes cheguem a um acordo para encerrar a disputa, o resultado do acordo estará sujeito ao processo de recuperação ou falência (e a aprovação judicial pode ser necessária), bem como às alterações econômicas segundo o plano de recuperação judicial ou à ordem legal de pagamento aplicada na falência.

Como a ausência de recursos pode impactar a capacidade das partes para arbitrar?

A ausência de recursos financeiros pode impedir que uma empresa em recuperação judicial ou falência inicie ou continue uma arbitragem que poderia lhe proporcionar melhoria econômica. Uma possível forma de solucionar esse problema é obter o financiamento do litígio por terceiros (third party funding). Terceiros financiadores (frequentemente fundos especializados) financiam os custos da arbitragem (incluindo-se honorários de advogados e experts, custos da arbitragem e outras despesas), em troca de um pagamento inteiramente contingente à obtenção de um resultado favorável na arbitragem. Esse pagamento usualmente é ajustado segundo a proporção do valor obtido com a arbitragem ou a partir do custo de captação do terceiro financiador. Naturalmente, o financiador exigirá preferência no recebimento dos valores da arbitragem, razão pela qual a empresa devedora provavelmente necessitará de aprovação do juízo da recuperação judicial ou falência para prosseguir com o acordo.

Ademais, tribunais arbitrais têm cada vez mais exigido que as partes revelem, na arbitragem, a obtenção de financiamento por terceiros. Isso pode, em contrapartida, motivar a contraparte a requerer a apresentação de uma garantia para pagamento dos custos da arbitragem, caso a parte financiada perca a disputa (security for costs). Em arbitragens comerciais, é comum que tribunais levem essas demandas em consideração e determinem a apresentação da garantia. Isso significa que a empresa em recuperação judicial ou falência e o terceiro financiador devem considerar a possibilidade de incluir, no financiamento, o custo de obtenção de uma garantia, ou a contratação de uma cláusula After the Event para garantir o futuro pagamento dos custos advindos de uma decisão arbitral desfavorável. É incomum que isso ocorra em arbitragens de investimento, já que muitas vezes a dificuldade financeira vivenciada pela empresa é uma consequência de medidas adotadas por Estados, que vem a ser o exato objeto da arbitragem.

Como os processos de recuperação e falência podem afetar a confidencialidade das arbitragens?

Arbitragens não são processadas em foro público, e por isso as informações compartilhadas nessa esfera em regra não estarão disponíveis ao público. Isso não significa, contudo, que as arbitragens são automaticamente confidenciais. A lei brasileira não confere confidencialidade a procedimentos arbitrais, razão pela qual as partes devem firmar expressamente acordos de confidencialidade (ou concordar a se submeter a acordos de confidencialidade constantes em termo de arbitragem ou ordens procedimentais) para prevenir que informações relacionadas à disputa sejam amplamente compartilhadas.

Empresas em recuperação judicial ou falência têm a obrigação de divulgar a existência de litígios, o que abre espaço à discussão nos casos em que há acordo de confidencialidade. Mais importante, é possível que o juízo onde correm esses processos afaste a confidencialidade nos casos em que a arbitragem seja relevante para o processo de recuperação ou falência. Isso pode ocorrer, por exemplo, quando o potencial proveito econômico da arbitragem é cedido a um ou mais credores. Nesses casos, o juiz pode dar acesso a documentos relacionados à arbitragem a credores, acionistas minoritários ou outras partes interessadas.

É importante que qualquer publicidade conferida aos documentos protegidos por acordos de confidencialidade esteja devidamente balizada, especialmente porque falta clareza nas leis aplicáveis. Primeiro, essa publicidade deve estar limitada às partes com interesse direto na disputa ou no seu impacto para a recuperação judicial ou falência. Segundo, o afastamento da confidencialidade não deve compreender informações de natureza extremamente sensível (como segredos comerciais) ou privilegiadas (como comunicações entre cliente e advogado). Recomenda-se que o procedimento concursal seja monitorado de perto para assegurar que qualquer tentativa desproporcional de publicidade de documentos protegidos por confidencialidade seja imediatamente resistida.

Quais são as possíveis consequências às arbitragens internacionais?

Tribunais arbitrais situados fora do território brasileiro não são afetados diretamente por decisões das cortes brasileiras. Entretanto, quando a parte requerida é uma empresa brasileira, é provável que a sentença arbitral estrangeira venha a ser executada no Brasil.

Sentenças arbitrais estrangeiras são exequíveis no Brasil segundo os parâmetros fixados na Convenção de Nova York, mediante um procedimento especial de homologação pelo Superior Tribunal de Justiça. Entre outros, o Artigo V (2) (b) da Convenção de Nova York autoriza a rejeição da execução de sentenças arbitrais estrangeiras que violam a ordem pública da jurisdição onde se pretende executá-la.

Embora o Superior Tribunal de Justiça tenha rejeitado a homologação em pouquíssimas hipóteses, já o fez por concluir que a sentença arbitral estrangeira era contra normas de ordem pública à luz da legislação brasileira. Portanto, a necessidade de se assegurar a homologação e execução de uma sentença arbitral estrangeira no Brasil é mais um motivo para que a parte requerente em uma arbitragem acompanhe de perto, e se faça representar, nos procedimentos em curso perante o juízo da recuperação judicial ou falência.

Notas de rodapé:

1. International Chamber of Commerce – ICC. ICC Dispute Resolution 2019 Statistics, p. 21.

2. Oi S.A. v Juízo de Direito da 7ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Juízo Arbitral da Câmara de Arbitragem do Mercado de São Paulo (Superior Tribunal de Justiça – STJ, Caso n. 157.099-RJ), Acórdão no Conflito de Competência, 30 outubro de 2018.

3. Créditos concursais são créditos existentes na data em que o pedido de recuperação foi apresentado ou a falência foi decretada, independentemente da exigibilidade do crédito (veja artigos 49 e 77 da Lei 11.101/2005). Nesse sentido, demandas concursais são demandas baseadas em fatores ocorridos antes da abertura do processo de recuperação judicial ou decretação da falência. Veja Grupo de Comunicação Três S.A. – Em Recuperação Judicial v William Roberto de Campos (Superior Tribunal de Justiça – STJ, Caso 1.447.918-SP), Acórdão no Recurso Especial, 07 de abril de 2016. 

4. Veja artigo 83 da Lei 11.101/2005.

5. Veja artigos 6, §6, II e 51, IX da Lei 11.101/2005.

Authors

  • Alex Wilbraham - Freshfields Bruckhaus Deringer LLP
  • Ricardo Gardini de Andrade - Freshfields Bruckhaus Deringer LLP
  • Matheus Oliviera - Freshfields Bruckhaus Deringer LLP 
  • Guilherme Fontes Bechara - Demarest